3.5.09



"a água corre pelas pálpebras pelas pontas do cabelo
curva na escápula nos seios no ventre nos joelhos
contorna as palmas dos pés liberta-me o semblante
sento-me no chão e penso
deveria praticar ioga
erguer-me como uma árvore assimétrica na torrente
de quando em quando o vento arrancar-me-ia uma ou outra ramada
talvez me cobrissem heras ou vinha virgem
não usaria de palavras não as escutaria

agora que somos todos Americanos indubitavelmente mestiços
só nos falta sermos todos Mulheres
talvez daqui a quarenta anos possam os nossos filhos dizê-lo
pois que nessa matéria a cor da pele não revela diferença
ressalvo que quando falo de Mulheres não falo
daquelas que se portam como homens
e que nada tenho contra os Homens
estou é tão cansada destes tempos vagarosos
onde ainda é possível apedrejar raparigas velá-las como corvos
incendiar-lhes o sari pagar-lhes um salário inferior por igual trabalho
cansada da bem pensante esquerda da iluminada direita
de todos os que esperam que nos comportemos
com gravidade e circunspecção masculinas
sem histeris dizem condescendentes
as mulheres refilam choram têm síndrome pré-menstrual engravidam
aborrecimentos que perturbam o ideário da gestão asséptica inócua
e muito produtiva - uma meta em alta
estou cansada das mulheres que podendo não compactuar com tudo isto
preferem a tranquilidade dos direitos adquiridos
são melhores os tempos de hoje que os das suas avós e mães mas
só nos falta sermos todos Mulheres digo eu que sou impertinente
que não me calo.
às vezes quando se me escurece a alma penso
deveria praticar ioga
erguer-me como uma árvore assimétrica na torrente
de quando em quando o vento arrancar-me-ia uma ou outra ramada
talve me cobrissem heras ou vinha virgem
os pássaros alimentar-se-iam de pequenos vermes e insectos
estranhos líquenes tomariam o meu torso
não usaria de palavras não as escutaria"


Cláudia Santos Silva in "Criatura nº3"

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